segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Saideira



Passava das nove horas da manhã, ao menos era o que diziam as más línguas, já que as boas, não se importariam muito com esse caso, quando ele saiu cambaleante pela porta carcomida de ferrugem do velho bar da esquina das ruas Marechal Rondon com Castelo Branco.

- Meu pai foi enterrado em cova rasa... Mas eu! Eu não serei... eu vou ser alguém nessa vida...

Falava enrolado, tal quais seus passos, como quem tenta se equilibrar no meio da rua, mantendo as forças para bater no peito, no melhor estilo King Kong, e esbravejar.

- Não mesmo... eu não serei... não serei enterrado em cova rasa como meu pai... não eu...
                Descendo a rua, não menos embriagado, um jovem segue sem rumo, de carro, igual a sua vida, na verdade, só que mais rápido, atropelou-o. Enquanto sua vida se interrompia, sendo preso, logo solto pra bem da verdade, o jovem infame, via o enterro do pobre bêbado indigente.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Sexo & Politica



Não sei por que, mas lembrei de sexo quando queria falar de política, não sei se isso se deve a sacanagem geral dos políticos em geral, mas queria mesmo era contar um caso acontecido com meu amigo Cacá e sua esposa, a estonteante Tininha. Cacá é um sujeito rude, de vida simples e criado no campo, muitos ainda se perguntam, como que ele acabou casando com a cosmopolita Tininha.
Se bem que a Tininha não é a pessoa certa para chamarmos de inteligente, afinal é loura. Não que eu esteja caindo no senso comum de achar que toda a Loura é burra, ainda mais agora que temos uma como vice-Primeira-Dama, ou algo que valha, mas a Tininha acabou por vestir esse estereótipo, uma vez que estava na moda, e de moda nossa loura entende, ou acha que entende, o que na real não muda nada.
 Para estar por dentro da moda, Tininha convidou um casal de amigos, chegados num suingue, embora ela nem imaginasse o que era o tal suingue. Chegou a pesquisar na internet, mas desistiu ao saber que precisava digitar a palavra no Google, nem ao menos sabia escrever a palavra gugol. Depois o jantar e dalguns drinques, o casal visitante já se assanhava no sofá, sob olhar estalado dos anfitriões.
Acabou o limite da paciência quando a visitante tirou a blusa, convidando Tininha a fazer o mesmo, porém já estava na fora, seminua, quando gritava:
- O que é isso, Cacá? Somos liberais.
Cacá respondeu jogando as roupas sobre os dois e batendo a porta com fúria.
- Grande merda! Nós somos comunistas.
                       Tininha estava catatônica e assim como a grande maioria, não sabia a diferença entre liberais e comunistas, tampouco entendia de política, o que na real era senso comum.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O nascer de um mito


Como nascem os mitos? Você se pergunta. Porém, não há respostas. Muitas vezes podemos concluir que nascem como nasce todo mundo, ou quem sabe como as estrelas, que você nem a vê, mas ela já está lá, e que quando morre, você ainda a admira por muito tempo. Foi assim com Agamenon Porfírio da Silva Júnior. Todo mundo deve estar se perguntando, quem diabos é Agamenon Porfírio da Silva Júnior? Se eu disser Lara muita gente vai dar pulos de alegria gritando:
- Eu já sabia. Só não sei por que um cara com esse nome colocaria no filho o mesmo destino.
Ou não. Essa história é antiga, lá dos anos 50. Tinha um time de futebol da capital do Rio Grande do Sul, fundado em 1940, por Agamenon Porfírio da Silva, o CAS, Clube Atlético Salustiano, que ganhara esse nome em homenagem ao pai dele. E foi seu único presidente. O sonho de Agamenon era ver seu filho jogando e marcando muitos gols pelo seu estimado time.
Na década de 40 o mundo era sacudido pela segunda grande guerra, e o estado do Rio Grande do Sul era patrolado pelo segundo time no coração de presidente do CAS, o famoso Rolo Compressor do Internacional. Para Agamenon a história seria outra a partir de 1945, não só porque findava a grande guerra, mas por que Agamenon Porfírio da Silva Júnior finalmente jogaria pelo CAS. Sorte mesmo era que não havia narrações esportivas, pois o jogador seria a tragédia dos narradores, primeiro por que era muito ruim, e segundo, era para dizer o nome inteiro do craque sempre que citasse uma jogada dele. Menos mal que não haviam jogadas para falar o nome dele.
O time ia de mal a pior, só perdia. Muito provavelmente seus 5 torcedores fiéis nem soubessem comemorar uma vitória, quiçá um titulo. Quando em 1952, uma jogada fortuita mudou o rumo da história do time e de Agamenon Porfírio da Silva Júnior, o goleiro Maracá, se lesionou, e o técnico não podia colocar em campo o goleiro reserva. As substituições só seriam impostas ao futebol anos mais tarde.
Naquela tarde, diriam os três torcedores que ainda restavam ao CAS, viram o nascer de um mito. Agamenon Porfírio da Silva Júnior fechou o gol, como se diz na gíria dos boleiros. Não sairia mais do gol dali em diante. Não queria ser chamado de goleiro, mas continuar sendo chamado de Atacante, sua posição de origem, sua tese era bem simples, agora ele “atacava” os gols. E resolveu trocar seu nome, para Lara, somente para causar um primeiro infarto no seu pai.
Colorado doente, sem trocadilhos pelo fato de estar num hospital, Agamenon Porfírio da Silva aceitou que seu estimado filho trocasse o nome amado de Agamenon Porfírio da Silva Júnior, por Lara, o lendário goleiro do tricolor dos Pampas, time esse que Agamenon só dizia “os outros” para não ousar falar a palavra Grêmio.
Nos próximos 3 anos, não houve quem ficasse de pé diante do CAS, o time patrolou todo mundo, e no ano de 1955, a decisão do campeonato da cidade se dava diante do seu maior rival do futebol amador, o SAJA, Sociedade Amigos da Juventude Acumulada, da Zona Sul. Foi um jogo lutado até o último minuto, o empate em 0 a 0 dava o titulo ao CAS, mas a vitória do SAJA seria fatal para eles. Brigas e discussões já eram folclóricas entre os times, o CAS era tricampeão, ganhara a taça em 52, 53 e 54, com o SAJA sempre de vice.
A chance de fazer história e ser o primeiro tetracampeão da cidade, que mobilizara todo o Bairro, começou a se perder aos 52 minutos de jogo, quando o arbitro assinalou um pênalti contra o CAS. No centro do gol Lara, ex - Agamenon Porfírio da Silva Júnior, que nunca sofrera um gol em toda sua carreira de goleiro, levaria seu primeiro gol, e perderiam o titulo? Já que na marca do pênalti a bola passivamente esperava o pé do artilheiro matador, Pimpão.
Momentos decisivos, Lara olhava fixamente para Pimpão, o artilheiro dos 2.865 gols, contra o “atacante” dos 0 gols. Maldição. Em 7 anos como jogador de linha nunca marcara um gol sequer. Porém, no gol não levara nenhum também. Na arquibancada seu pai Agamenon Porfírio da Silva, presidente do CAS, estava pronto, parecia que era ele que estava defendendo o pênalti. Pimpão partiu pra bola e chutou seco. À medida que bola ia se aproximando do gol, a torcida toda levantava.
Quando a bola morreu nas luvas do goleiro Lara, a metade da torcida gritou:
- ÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ...
Outra metade gritou:
- UUUUHHHHhhhh!!!
E foi murchando. Alguns na arquibancada gritaram:
- AGAMENOOOOONNNNN!!!
Lara levantou com a ajuda de muitos torcedores que adentraram ao gramado para carregá-lo nos braços, quando ele viu seu pai caído na arquibancada. Estava morto. O coração não agüentou a emoção de ver o filho se tornando um mito e defendendo pênaltis e parou.
Encerrou-se ali a saga do CAS, Agamenon Porfírio da Silva Júnior, decidiu não assumir o time, bem como fechar as portas do clube, encerrou a carreira. Todo mundo lamentou a decisão, afinal, um goleiro renomado, com 28 anos, clubes grandes interessados no seu futebol, inclusive o Real Madrid da Espanha, parar de jogar?
É que Agamenon Porfírio da Silva Júnior, sempre detestou futebol.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Farelos de felicidade


          Dois anos, quase três. Pouco sabia de nada. Sabia, porém, que estava só. Estranhamente só diante de tantas pernas conhecidas. Estava na casa da fazenda. Via sua mãe com uma mala na mão caminhando apressada pela estrada poeirenta. Os nove meses de intensa e interna convivência, não valeram nada. As lágrimas placentosas de sua face, tinham dois gumes cortantes e gelados. Seus gritos reverberavam pelas colinas, mas não afetavam o coração da retirante. Como fugitiva sem perseguidores, desapareceu para além da mata.

                 A avó incrédula, segurava uns papeis e um rosário. Lamuriosas ave-marias,  num tom consternado de despedidas sepulcrais. Ninguém ousou tocar no menino, que permaneceu agarrado ao portão de madeira, lágrimas teimosas molhando a poeira do chão, e olhar perdido na desértica via que levava sua mãe ao fim do mundo. As memórias escassas mais lúcidas, de um colo quente, de um útero protetor, se esvaiam junto a espera que se estenderia por mais uma porção de vidas de agora tinha.

               Quase três. Era verdade. Depois de as pernas cansarem de segurar o corpo e o portão, desabou sobre a grama. Olhava o azul do céu imaginando onde tudo aquilo terminaria. Havia um mundo após o rio. Achava que o fim do mundo era lá onde as montanhas tornam-se azuis. Deveria ser onde o céu toca o chão. Um dia ainda chagaria lá para ver de perto como o mundo terminava.

                  A noite ia caindo mansamente, deixando o céu negro, com furinhos para o sol espiar, as pessoas estranhamente chamavam cada olhinho do sol de estrelas. Adultos são estranhos. A lamparina acesa pendurada no teto, fumacento do fogo de lenha, deixava o ambiente turvo. As pessoas estranhamente conhecidas, ficavam fantasmagóricas naquele lusco-fusco, e falavam uma língua monstruosa que ele não conhecia. Sabia no entanto que o paparicavam, como tolo, pobre menino pobre, desprovido de lar.

                Só na hora do jantar, mais calmo, mas ainda triste, perguntou pelo pai. Que era pouco presente, via-o de tempos em tempos, imprecisos, não sabia contar o tempo, ainda, mas se fascinaria por ele anos mais tarde. Mesmo que o tempo teimasse em fazê-lo de marionete sem fios, jogado num canto pelo vendaval da vida, sem respostas, e as perguntas rareando. Todos se entre olhavam pigarreando. O homem idoso na ponta da mesa, fumava um cigarro fedorento, um outro de voz esganiçada, seja lá o que isso queria dizer, diziam ser um parente distante, fumava um outro daqueles de matar mosquito, como ele mesmo dizia. Duas mulheres, na penumbra no outro lado da mesa, uma moça ao seu lado, só o olhavam com pesar e consternamento.

             Somente quando uma senhora gorda, com uma idade bem avançada, a quem todos chamavam de Nona, entrou na sala de jantar com uma travessa de macarrão recebeu a resposta.

                - Eles virão te buscar assim que acabarem de fazer a casa.

           Aquelas palavras ecoaram por dias na sua cabeça. Assim como as que sua mãe dissera na saída.

                - Eu volto para te buscar daqui a quinze dias.

           Passaram-se meses. Depois de alguns dias, já estava mais habituado ao lugar. Já quase esquecera da cidade, nem contou os dias, não sabia contar, mas dias e dias ficava afincado no portão, olhando a ponte, e vendo a água passar, sem saber para onde ir, estava como o rio. Não sabia para onde ia.

              Nem sabe ao certo quando foi, nem quanto tempo tinha se passado, provavelmente já estava perto de seu aniversário, pois a Nona e uma tia discutiam a data certa para comemorar os três anos do menino, sem saber porque ainda comemorariam uma data passível de esquecimento, seu pai apareceu. Estava pequeno demais para viver. Depois de árdua discussão, partiu com seu pai. Veria o que tem depois do fim mundo, lá além das montanhas cinzentas, quase azuis. Seu pai lhe pôs sobre os ombros. Sentia se grande novo. Nem pensou mais na mãe, a felicidade era farelo de salgadinhos sobre o cabelo do pai.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O homem que processou o vento

De joelhos, o homem que era ateu declarado, roga aos céus.
- Onde está tu, oh Deus! Tu que arrancastes minhas vestes e minha casa, por duas vezes, agora arranque essa!
O homem estava de frente a sua nova casa. Construída de pau-a-pique, com toras de madeira para servir de esteio, cravados em mais de oito metros dentro do chão, reforçado com madeiras de lei e muitos pregos. Tabuamento reforçado com pranchas grossas, tesouras pesadas com telhas de amianto bem ajustadas.
Aprontara a casa depois de dois anos de árduo e sacrificante trabalho, falta de dinheiro e ainda custeando o tratamento de sua esposa, que havia quebrado a bacia no advento da última vez que sua casa havia tombado pelo poder do vento. Agora estava perfeito. Sua nova e forte casa estava pronta, sua esposa estava na salinha construída para ser uma espécie de Igreja para suas orações. Nesse momento ela rezava rodeada de velas, para que Deus apiedasse das palavras insanas que seu marido proferia lá fora.
Nesse momento uma tempestade se formava, ele confiante bateu no peito, seguro de si e disse:
- Vamos lá! Tenta derrubar esse “deusinho” de meia pataca. Mostra que tu existes e mostra que tem poder!
O vento foi aumentando. Formava uma espécie de tornado, e vinha arrancando árvores, derrubando aramados e carregando animais para longe. Ao passar pelo local da casa arrancou num instante, só deu tempo de ver o rosto assustado de sua esposa na janela enquanto sua casa voava.
- Você não devia ter provocado Deus dessa forma.
Foi jogado a muitos metros de distancia. Não conseguia levantar e desmaiou de dor. Acordou com o sol a pino. Uma fome gigante lhe tomava. Parece que dias e dias tinham se passado. Não sentia mais dor.
- Oh! Céus será que estou morto?
Não estava. Levantou-se. Parecia noutro mundo. Tudo a sua volta destruído, inclusive a casa, aliás, a casa sumira. Restaram apenas sete buracos de oito metros de fundura e um esteio torto. Transtornado caminhou pelas matas próximas e não encontrou nem vestígio de casa, ou sabe-se lá, sua amada esposa.
Ensandecido com a vida miserável de sempre. Partiu para a cidade grande, foi morar na rua, sob um viaduto, por que ali certamente nada o derrubaria, exceto se fosse uma obra Naiaiesca, por sorte não era. Contando sua fabulosa história, tornou-se milionário, e resolveu acabar com seus inimigos. Contratou um advogado e processou o vento. Depois de quase dez anos de espera, o judiciário deu seu parecer.
- Impossível processar o vento, meu caro, não tem ele endereço fixo, tampouco é um ser de direito.
Arrasado, porém, não derrotado, continuou sua saga. Processou Deus. O Todo Poderoso protetor de sua amada esposa, que a arrancou de seus braços, deixou-o sem teto, por um torpe motivo de ego ferido.
Mais dez anos se passaram e outro veredicto judicial.
- Impossível processar Deus, não foi possível intimá-lo, endereço não encontrado, réu não encontrado.
Foi embora. Partiu da cidade grande e voltou ao seu antigo lar, ou aonde deveria ser seu antigo lar, e encontrou apenas o poste torto, já carcomido pelo tempo. Algumas pessoas que por perto moravam, nunca tinham ouvido falar na história. Outros acharam de uma insanidade descabida, algo tolo.
- Nada mais que um delírio coletivo dessa gente da cidade.
- Mas e este poste torto aqui?
- Sempre esteve aqui.
Mesmo com o assunto surreal do camponês, tudo parecia tão real, e muitas duvidas pairavam ali.
- Mas alguém deve ter posto ali.
- Deve ter sido Deus, isso ai esteve ai desde os tempos que Deus andava na terra.
- Mas nunca se perguntaram como e por que esse poste está aqui, neste lugar mais precisamente?
- Não se questiona a obra de Deus, filho, é o que é!
Caiu de joelhos. Era como se orasse para o poste torto. Os demais presentes seguiam suas tarefas absortos, como se nada de diferente estivesse acontecendo, ou como se tudo sempre fora assim. Sentiu-se morto novamente. Tudo o que vivera até ali não poderia ser um delírio. Deus é um delírio. O céu é um delírio. O mundo é um delírio.
- Meu Deus! Eu sou um delírio?
É como que se de repente tudo não tivesse passado de um sonho e um poste torto.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Encontros na areia

                    Desceu de seu apartamento, exatamente seis horas da manhã, estava escuro, mês de maio, pleno outono, da sua janela via o mar, a areia. Comprado depois de muito tempo, pois foi sonho acalentado. Neste dia sombrio de outono, resolveu descer até a praia e ver, o estranho homem que via da janela sentar na areia todas as manhãs, pontualmente seis horas, com exceção dos dias chuvosos e das segundas-feiras. Podia ser um guarda noturno, que na saída poderia estar exausto e precisava recobrar as energias olhando o nascer do sol. Isso deixava a radiante, pois costumava acordar cedo, saia para a sacada com a única finalidade de ver o sol menino.
                   Seis e quinze, ainda estava muito escuro, a praia deserta, como sempre nesta época, morava há muito tempo nesta cidade, mas não acostumara com este avesso da cidade, no verão parecia uma metrópole, e no inverno cidade fantasma. Caminhou até as ondas morrentes, mas não molhou os pés como costume, a água devia estar muito gelada. Lembrou de um antigo filme que vira sobre uma cena bucólica como esta, mas não lembrava do nome. Essa memória! Pensou. Chutou uma conchinha atirada na praia, casa de algum molusco esquecido como ela, uma dupla e tanto. Sentou-se na areia, numa espera de esperanças perdida, pois passava da hora daquele misterioso homem chegar até ali, vai ver estava de férias. Inferno. Poderia ter ligado desmarcando o encontro, mas nada, nem um sinal. Deitou-se olhando o céu cinzento de maio, na ânsia de ver uma estrela solitária moribunda para dividir seus dilemas. Não havia nada. Nem o homem. Que não mandara recado desmarcando o encontro às seis horas.
                   Seis horas da manhã, mais vinte e sete minutos. Estava em silêncio no olhar do relógio, que tranquilamente caminhava a passos curtos, segundo a segundo, rumo ao mesmo lugar, indiferente a mulher que lhe carregava no pulso, que queria gritar ao mundo este dolorido queimante que lhe consumia por dentro. Seria improvável que soubesse de seu encontro, uma vez que nunca se falaram, mas ele devia saber dela que todos os dias, lhe observava de sua janela, para agora ser desprezada, enganada, iludida, pois já o amava. Seus olhares mudos, diziam tudo, mas ele não lhe dava atenção. De repente passou a odiar a areia, o mar, as ondas, até a brisa suave que lhe afagava o rosto todos os dias, seria repugnada, odiaria praia dali pra diante, não mais poria os pés neste local infecto, baniria os banhos marinhos de seu calendário. Aquele bronzeado adquirido durante o ultimo verão, ainda lhe marcava, seria o último. Desejaria um próximo veraneio chuvoso, como em matas tropicais úmidas, para tudo em volta virasse um banhado intransponível.
                    Boa idéia. A melhor que tivera. Seis e quarenta e dois. Poderia chover a ponto de alagar tudo, formar um banhado, não se importaria, ficaria sozinha na praia que tanto amava, pois só assim ninguém lhe causaria sofrimento, vindo até a praia para lhe atiçar desejos para depois sumir sem deixar vestígios nem recados. Nem um telefonema. Levantou-se, sacudiu a areia presa nas roupas, depois vasculhou as dunas, a beira do mar, na procura de vestígios, deveria de ter deixado ao menos um rastro, um bilhete jogado na areia. Nada. Somente areia varrida pelo vento. Mais adiante quatro jovens, dormiam estirados na areia, com uma marca de fogueira no centro, cada um, caído para um lado, deviam ser universitários despreocupados com a vida, na certa gastando o dinheiro dos pais, sem que estes saibam de nada. Olhou-os com inveja, nunca tivera um momento assim na sua adolescência, aliás, nada tivera. Os seres estranhos, parecidos com personagens de contos malucos saídos da cabeça de algum escritor lunático. Um usava óculos, cavanhaque ralo o outro, parecia playboy, com roupas de grife e tênis de marca cara, as meninas uma era gordinha, isso lhe deixou aflita, pois parecia se espelhar nela, não que ela estivesse gorda, nada disso, e a outra era angelical, branquinha como a neve, cabelos ondulados pretos.
                    Seis e cinqüenta e nove, falta um minuto para á sete horas e aquele cachorro não apareceu. Devia ser pelo seu peso. Estava muito gorda era isso. Apertou a barriga. Era isso. Uns quilinhos a mais, o que é que tem, todo mundo tem. Não ela não podia ter, assim como todo mundo, ela era diferente. Era muito diferente, muito diferente, não tinha aquele corpinho violão que os homens tanto procuram, chegavam a ter torcicolo no pescoço para olhar paras as outras mulheres, para ela somente olhares discriminatórios. Estava acabada, não tinha auto-estima, estava um trapo humano jogado na areia. Quem sabe se ficasse jogada na areia, mais tarde seria salva por uma destas ongs que salvam baleias. Estava sendo muito severa consigo mesmo, precisava jogar sua baixo-estima lá para o alto. Quem sabe se jogada na areia junto a aqueles baderneiros de beira de praia não virasse ao menos personagem de algum conto romântico.
                    Conferiu a hora, sete e dez, conferiu a data, terça-feira, não errara não, ontem fora o dia que ele não viera, mas há quase um ano, pouco mais ou pouco menos, ele vem, porque hoje não viria? Seria por causa dela? Não ele ainda não sabia da sua existência. Poderia ele ser casado, e sua mulher o deixara angustiado, ele vinha espairecer na praia impreterivelmente de terça a domingo. Poderia estar previsto chuva para logo mais, deveria ser ele um meteorologista, ficava as madrugadas fazendo as previsões depois vinha para a areia espairecer. Estava morta a charada. Ou quase? Ele devia então estar ali, era terça feira, passava das sete, sempre ia embora depois das oito, justo hoje ele não viera. Olhou para sua sacada, o homem lhe olhava de lá na mesma posição que ela o observava, com gestos polidos, sentou-se na sua rede. Esfregou os olhos, o sol nem estava tão quente para fazê-la delirar. Mas era um delírio, estava vendo-o em vários lugares ao mesmo tempo, ele dizia adeusinho. Era um adeus para nunca mais. Ele arrumara outra para servir-lhe o café na cama como ela assim fizera por longos meses, quase um ano. Ele não a queria mais estava gorda a ponto de enterrar-se na areia, sentia como quem está numa areia movediça. Estava gorda precisava emagrecer, correr na praia ia ser bom, logo estaria esbelta de novo como há anos atrás, voltaria a usar seus biquínis minúsculos. Poderia até usar fio dental. Está tão fora de moda. Pouco importava iria emagrecer depois tomaria um banho de loja. Voltando a ser magrinha como era cada calça dela daria duas novas, uma de cada perna. Caiu na areia rindo da própria piada. Alguns moradores que faziam suas caminhadas, habituais naquele horário, imaginavam uma louca.
                 Sete horas e cinqüenta e quatro minutos, voltou para casa, exausta, estava na hora de seu café da manhã. Depois do desjejum, com queijo, omelete com bacon, café com leite, salame, pães e bolachas, geléias, entre outras coisas. Depois de muito se fartar, sentou-se na varanda para olhar a praia, tinha agora algumas pessoas por lá, dentre elas, um cidadão, barba rala por fazer, cabelo despenteado, fuma um cigarro, e caminha devagar com as mãos nos bolsos.
                  São nove horas e dois minutos. Seu apartamento fica no quinto andar, tenta correr, mas não consegue, precisa muito esforço. O elevador demora. Não é justo, logo agora que tem uma chance real de arrumar um marido. Está apaixonada, precisa correr. Elevador que não anda parece enguiçado. Nem sobe, nem desce está parado no sétimo andar. Justo hoje. Logo neste minuto. Devia ter ficado na areia, mas estava com fome. Maldita gula, ainda bem que é um pecado capital. Era uma pecadora. Iria para o inferno, justo ela tão boa para as pessoas, caridosa. Tremeu ao pensar isso, pois não queria ir antes de casar e ter filhos. Cinco filhos. Que maravilha as crianças correndo pela casa. Finalmente chega o elevador, está cheio de malas e outras coisas não cabe nem um alfinete, a mulher, aquela perua do setecentos e dois vai viajar, deve estar indo para Brasília, dizem que é amante de um deputado ou senador, só pode estar fugindo, deve ser um destes envolvidos com CPIs. Mas justo agora, num minuto crucial e decisivo de sua vida. Não devia ter voltado para o café, isso sim, precisava de um regime. Amanhã mesmo começaria um. Precisava emagrecer. Precisava de um elevador. Precisava de tempo, queria parar o relógio. Não adianta. Precisaria parar o tempo. Precisava se exercitar. Seria uma ótima maneira de começar, desceu correndo pelas escadas, o porteiro tentou conversar, mas ela já saíra porta a fora como uma louca.
                     Foram longos quinze minutos, mas enfim chegou lá, estava com a roupa molhada de suor, cansada, esbaforida. Quanta diferença dos seus áureos tempos de modelo, quando era magérrima, ganhava muita grana, o suficiente para viver bem por muitos anos. Tinha vinte e cinco anos, mas sua carreira de top model internacional tinha desmoronado fazia algum tempo. Tempo este que levou a uma semi-loucura, nem imaginava que pudesse ter um semi-louco, mas nunca admitiu ser considerada louca, talvez, meio-louca. Trabalhara desde os treze anos, mentira, doze, falsificara a identidade para sair de casa mais cedo, não suportava as investidas de seu padrasto na tentativa de molestá-la, algumas vezes chegou ao seu intento, sentia se impura, insegura, parecia que ele ainda lhe perseguia, lhe bolinava enquanto dormia. Tinha então com vinte quatro anos apenas, e já estava aposentada. Por essas e por outras, que não se importava em ir para a cama com qualquer um para conseguir trabalho, era um mundo mesquinho, um mundo hipócrita que as faz coisas que não se pensa, ou até se pensa, mas faz justamente ao contrario. Muitas vezes se pegou chorando, solitária, num antro de cada um por si, nem era mais Deus, mas sim, o diabo por todos. Droga de vida. Vida de droga. Só mesmo drogas para suportar tanta pressão, sempre rodeada de gente de todos os tipos, dispostos a tantas coisas para se dar bem na vida. Era fartura de drogas, das mais leves, para introdução, até as mais pesadas, que na maioria das vezes matava, licitas ou ilícitas, para todos os gostos. Ainda hoje fumava alguns baseadinhos, como propriamente dizia, eram pequeninos, que mal poderia fazer? Já tomara drogas mais pesada. Certa vez, ela não lembrava de nada, mais foi encontrada no apartamento que dividia com uma colega em Nova York, nua jogada no chão do banheiro, já com a pele azulada, numa quase morte por overdose de pó. Salvou-se por milagre, mas dali em diante sua carreira de modelo começou a desmoronar.
                 Olhou para todos os lados. Nada de seu amado. Escolheu ao acaso o norte, correu tresloucadamente naquela direção, precisava encontrar seu amado. Um mundo girando. Um mundo escurecendo. Um mundo caindo.
                  Acorda deitada. Tem uma sala branca. Hospital? Alguém lhe pede para ficar calma. Esta muito agitada, precisa de um sedativo. Confundiram-na como uma louca enquanto corria na praia, não é verdade? Ninguém entendia nada do que ela estava falando. Entrou um médico bonitão no quarto. Não podia pensar nisso tinha um encontro marcado para as seis. Seis em ponto, na areia, não podia faltar. Queria saber se fora difícil de trazê-la até ali, uma vez que era muito pesada. Tinha exagerado no café da manhã, mas não se repetiria, jurava. Todos se entreolharam estupefatos, diante de uma jovem magricela, onde não as viam carnes, tampouco gordura. Anorexia, terrível. Aplicariam um calmante poderoso, disseram-na que era para o bem dela, queria sair logo dali, afinal tinha compromisso para a manhã seguinte. Fez efeito este remédio, fechou os olhos. Onze horas e cinqüenta e nove minutos.

domingo, 3 de outubro de 2010

Nem te conto

Uma vez minha tia Laura ouviu um conto, enquanto esperava o ônibus no ponto, com uma amiga, autora da narrativa. Ansiou por contar a alguém, esperando no ponto do trem, contou para uma dona.
Essa dona, era Isabela, que correu a contar ao marido que trabalhava no ponto de taxi da praça central. Mais tarde naquele dia narrou o conto a um passageiro que se dirigia a um ponto de encontro com alguns amigos, e não deixou de lhes contar a historieta.
 Não tardou para que, passando de uns para outros, de outros para milhares de outros, logo todos contavam o conto. E nessa toada, cada um aumentando um ponto, hoje ninguém mais se lembra do conto, só dos pontos.

A boa música brasileira

Rádio UFPR

 

Você está ouvindo a RádioUFPR, a primeira rádio feita
exclusivamente para a Internet no Estado do Paraná.