quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Meninas boas vão para o céu


                   - Você vai morrer e não vai para o céu!
                   Uma oração, uma palavrinha com deus. Era o convite para um pesadelo.
                   - Você vai morrer e não vai para o céu!
                  Ainda adulta vendo seu velho avô morto, gelado dentro de uma caixa de  cor marfim, um rosário no pescoço e uma bíblia nas mãos, ouvia suas ameaças.
                  - Você vai morrer e não vai para o céu!
                 Como se um castigo divino, perdera uma perna e um braço, e definhou por vários anos, vegetando sobre um catre duro. Perecera em vida uma eternidade infernal. O pastor mesmo falava, sobre o defunto.
                  - Um homem exemplar, digno de sentar a sua direita, meu pai. Aleluia.
                  - Aleluia!
                Gritavam os presentes em coro, enquanto a jovem olhava para os dedos que sobraram, e sentia calafrios de raiva. Aqueles imundos dedos, usados hipocritamente para folhear as escrituras sagradas, e lhe deflorar na tenra idade, em cima de uma mesa, um oráculo da igreja. Diante dos vizinhos era um dedicado pai de família, cinco filhos, dezoito netos. A filha mais velha, tivera três filhos, um, ainda menina. Anos mais tarde, fora acusada de satanismo pela família, pois, só aplacara sua angustia mergulhada nas drogas. As três meninas, ficaram sob guarda dos avós, corria a lenda, que eram filhos do próprio avô. Isso morreu com ela numa overdose de cocaína, anos atrás, e agora com o culpado daquilo tudo.
Amparado pela palavra de deus, uma igreja enorme, e uma mente doentia, abusava de inúmeras fieis, escorado nas tabuas da lei. A jovem, então com sete anos, espiava pela cortina a pregação eloqüente do avô que tanto admirava, não só ela, como os vizinhos todos, que se ancoravam no velho pastor, para qualquer problema, tirava a roupa da fiel, e lhe bolinava com fervor, embora caquético, e sem o vigor físico de outrora, usava meios pouco ortodoxos.
                  Qualquer coisa que se falasse contra o pastor, seria prontamente rechaçada. Sempre que houvesse alguma pessoa com problemas ele deixava qualquer coisa que estivesse fazendo e se dedicava a causa.
                  Sem saída, volta e meia sua mãe lhe deixava na casa dos avós, e não tardava para ele entrar com uma bíblia e dizer.
                  - Vamos orar. A palavra de Deus precisa ser cumprida. Aleluia Jesus.
                 Sabia ela que iam para a sala de leitura e oração, para seu avô abusar dela. Sem ter a quem reclamar usava a bíblia como desafeto, criando uma verdadeira aversão ao livro sagrado. E se recusava.
                 - Você vai morrer e não vai para o céu!
                - Eu não quero, isso é feio!
                - Isso é uma obra de Deus. Você está sendo má. Meninas boas vão para o céu. Você está com o demônio no corpo?
               Tijolo a tijolo, o coveiro, fechava a tumba, e sua alma ia se libertando. Os presentes oravam para o defunto ser bem recebido no céu, a jovem, num silêncio frio, os olhos secos atentos nos tijolos, sabendo que findava um pesadelo, sem céu, sem inferno.
               Quando o coveiro pôs o ultimo retoque de massa no sepulcro, sentiu-se livre, era uma menina má e poderia ir a qualquer lugar.

               Fatos reais, narrados pela própria personagem.

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